Sindicato dos Aposentados, Pensionistas e Idosos de Mato Grosso

Sobre a brevidade da vida e o medo da barata

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Domingo, 7 de julho de 2024. Depois de meses de muito trabalho e tensão, eu e meu marido acordamos às 4h da manhã para viajar. Ele está muito feliz e animado com a possibilidade de relaxar alguns dias em uma casinha na praia.

No mês que vem completamos dez anos de casados. Sobrevivemos à convivência intensa durante a pandemia, mas a pós-pandemia tem apresentado muito mais dificuldades e obstáculos.

Chegamos às 6h17. Guardo nossas coisas e arrumo a casinha. Meu marido deita no sofá da sala.

Invejo meu marido que “dorme como uma pedra” em qualquer lugar, inclusive quando está sufocado por problemas de trabalho. Minha insônia me acompanha todos os segundos e não me deixa desligar dos meus medos e preocupações.

Meu marido dorme tão profundamente que decido ir caminhar, apesar do vento e do frio. Caminho quase duas horas, observando os pescadores, os pássaros, os cachorros, as ondas do mar.

Volto e meu marido ainda dorme. Quando ele acorda, vamos ao supermercado comprar sucos, frutas, sabão para lavar a roupa etc. Apesar de ser a hora do almoço de domingo, o supermercado está lotado dos moradores da cidade. Lembro-me dos meus melhores amigos nonagenários que adoram ir ao supermercado para encontrar com os amigos.

Enquanto meu marido paga as compras, começo a conversar com Norma, de 92 anos. Ela tem três filhas, seis netos e oito bisnetos.

“Minhas filhas trabalham muito e nunca têm tempo para nada. Quando ligo para conversar, elas estão sempre ocupadas. Meu marido tem 96 anos. Ele é muito chato, não gosta de conversar, só gosta de ficar na janela olhando para o mar. Eu adoro conversar, caminhar, dirigir, viajar. Sempre fiz muito esporte, não tomo nenhum remédio. Remédio conserta uma coisa e estraga outra. Não tenho nenhuma doença”.

Norma diz que é muito raro as pessoas terem interesse nas histórias dos mais velhos.

“Minhas duas irmãs já morreram, minhas amigas, também. Não tenho medo da morte, só tenho medo de ficar caduca. Se hoje que eu estou lúcida e saudável já é difícil encontrar alguém para conversar, imagina se eu ficar doente?”

Meu marido aponta para o frango assado quentinho, mas ele sabe que a conversa com Norma ainda vai demorar. Ele diz que sou uma espécie de ímã que atrai nonagenários que adoram contar suas histórias. Como me apelidou minha querida amiga Gete, de 96 anos, eu sou uma “escutadora de velhinhos”.

De noite, quando estou me preparando para dormir, vejo uma barata caminhando na mesinha onde está o meu celular. Como não tomo Lexotan desde o início da pandemia, tenho certeza de que será mais uma noite de insônia.

Para não ficar me torturando, escolhi um audiobook para ouvir na madrugada: “Sobre a Brevidade da Vida”, de Sêneca.

“Não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas. Ao contrário, desperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma obra é concretizada, por fim, se não se respeita nenhum valor, não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai. Desse modo, não temos uma vida breve, mas fazemos que ela seja assim.”

Mirian Goldenberg é Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de “A Invenção de uma Bela Velhice”

Assessoria de Imprensa

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